segunda-feira, 7 de maio de 2007

O SOCIALISTA


Quando indagado sobre em que consiste o socialismo, Bernardino responde: “Consiste em que nenhum capital fique parado posto a produzir, dando ganho ao operário e produzindo o necessário para matar a necessidade do povo; abolir o álcool e difundir a instrução e manter a obrigatoriedade do trabalho”.
Em uma carta de Bernardino ao seu tio, Antonio Fialho de Brito, apreendida em Mirador, dá-nos mais dados sobre o seu socialismo, espiritismo e intelectualidade, carta esta em que ele explica em seu depoimento, seguem alguns trechos:

Comunico que estou pregando a doutrina amada – o socialismo.
Como julgamos coisa inadiável, fui prega-la no Codó, para evitar fuxicos. (Foi de fato, no Codó, e ali em conversa, falou a alguns camaradas no socialismo, isto na porta do bazar do Sr. Henrique Figueiredo para evitar histórias mentirosas, pois queria falar ali, no socialismo, do mesmo modo porque falava na Matta e, se nisto houvesse crime, seria intimado e citaria os livros, onde bebia a doutrina).
Se isto faço é porque todos os dias me chegam aos ouvidos que grupos de precisados pretendem atacar e eu congrego todos par debaixo de uma só bandeira com o fim [...] não só de evitar tantos sangues e execuções bárbaras, como porque não devemos perder ocasião de impormos um governo do povo pelo povo, como se está fazendo no Rio e Rio Grande do Sul ([...] conforme leu, que o povo não aceita a convenção para a presidência da República, porém a maioria nas urnas). [Vemos a demonstração de conhecimento da política nacional, mesmo acreditando, erradamente, que a Reação Republicana pretendia a verdadeira democracia].
Além de muitas obras socialistas que estão em meu poder, chamo atenção para o artigo “Do mestre para o discípulo” – Reformador de 16 de junho próximo passado e veja que o espírita, mais do que ninguém, tem a restrita obrigação de oferecer o sangue em defesa de seus pobres irmãos oprimidos pelos grandes da terra; não como fez Cristo, porque muito orgulho é querer imita-lo. O novo papel é combater o mal por qualquer meio que estiver ao nosso alcance, até mesmo com o batismo de sangue. [...] [Aqui ele explica a luta em defesa dos pobres encontra a intervenção da força policial no pleito eleitoral].
O nosso infeliz governo vendeu o nosso torrão natal em proveito dos que não trabalham e dos estrangeiros egoístas. [...] [Demonstra conhecimento da desvalorização do câmbio em favor das exportações].
Está em nossas mãos sacudir tão monstruoso parasita que se alimenta do nosso sangue!
Rui Barbosa já está unido ao exército ([...]).
Fiquei surpreendido de em sua última carta não fazer você a menor alusão ao movimento socialista que a muito doutrinamos para levantar as baixas camadas [...].
Discutiu-se no Rio ser este o único meio de salvar o Brasil [...] e os governos são impotentes para reprimir as ondas de miseráveis que eles autocratas criaram! Nesta hora, para que chegue a vez do que é justo, o proletariado se levanta. ([...]).
Você não ignora que Jesus Cristo foi o primeiro socialista [...] somos os instrumentos de que a Providência se serve para o cumprimento de suas leis [...].

Os trechos da carta acima demonstram o vasto conhecimento que Manoel Bernardino possui (diferente da definição de “caboclo inculto” dada por João Batista Machado ou de um homem trabalhador “a despeito de sua limitada cultura”) e que ele pregava a divisão de bens, investimentos para gerarem empregos e renda a fim de diminuir a miséria e, principalmente, um regime político democrático que realmente representasse o povo.
Dos jornais vê-se informações sobre a política nacional mas, é curioso ele em nenhum momento (cartas, depoimento, entrevistas) mencione a Revolução Russa de 1917. Da Rússia apenas a influência de Tolstoi é percebida quando ele diz sermos instrumentos da Providência para o cumprimento das leis e, em outros fragmentos, quando ele prega a não violência.
Nas críticas agudas de Guerra Junqueiro contra a sociedade portuguesa podemos notar concordâncias com Manoel Bernardino nos trechos:
Um povo imbecilizado [...] agüentando pauladas [...] sem uma rebelião [...].
Um Clero [...] desmoralizado [...] liberal e ateu [...].
Uma burguesia [...] corrupta até a medula [...].
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo [...].
A justiça ao arbítrio da política [...].
[...] contudo, a maré do socialismo invade, formidável os parlamentos europeus [...].

Manoel Bernardino prepara o povo para a “revolução” porque, como Junqueiro, acredita que [...] só fica uma nuvem negra: os campos, a plebe da enxada. [...] Na alucinação da miséria quem há de conter? [...] O perigo vem daí. Meio milhão de esfarrapados com este general – a fome, tornam-se invencíveis [...].
É com essa crença que Bernardino conclama o povo à revolução como meio de sair da miséria em que se encontra. Mas esta revolução ocorrerá por meio do voto instaurando um governo comprometido com o povo. Neste ponto, Bernardino estava iludido pois os candidatos do PRM e da Reação Republicana não visavam mudanças profundas na estrutura econômica do Maranhão e do Brasil respectivamente, da forma como ele acreditava. Talvez ele não compreendesse a verdadeira luta oligárquica e visse as dissidências como revolucionárias enquanto, na verdade, não eram. Os grupos em disputa pelo poder (nacional ou local) não visavam distribuição de renda ou mudanças que viessem alterar a estrutura de poder desfrutada pela elite, era mais uma reorganização política do que uma revolução como Bernardino acreditava.
Ao saber dos preparativos para a “revolução” de Bernardino, um grupo de comerciantes de Curador segue para Matta. No caminho o Sr. Raimundo Freitas aconselha o povo a não dar ouvidos a Manoel Bernardino pois este era um revolucionário. “Ser revolucionário era uma atitude que desqualificava socialmente”. Ao chegarem ao destino vão direto à casa do “revolucionário” onde são recebidos friamente. Raimundo Freitas lhe diz que eles vieram saber dessa revolução pois o pessoal está assombrado e diz:
Eu já tenho aconselhado, pelos caminhos, a muita gente, que não se deixe levar pela sua cabeça pois o Sr. é um revolucionário.
Ao que Manoel Bernardino responde:
- Prezo-me de ser um revolucionário [...] e o Sr. com isto não me agrava. O Sr. tem razão em procurar a calma, mas não pode encontrar pois o derramamento de sangue é inevitável. Nós temos que vingar o sangue de Jesus Cristo. [...]
- Esta roupas estão boas, mas este senhor (apontava o declarante [José Lopes Pedra Sobrinho que os acompanhava] que trajava casimira) não está direito, pois está no luxo e nós devemos ser todos iguais.


Diz ainda ter em seu poder mil homens e que conseguiria dois mil facilmente. Os comerciantes voltam convencidos das idéias bolchevistas e maximalistas do revolucionário camponês.
Mais uma vez estava posta a idéia do socialismo. Essa conversa agravou ainda mais as tensões na região pois, para os comerciantes, ficou clara a “lei comum” pregada na Matta. Dez dias depois José Pedra foi expulso do povoado.
Para ter certeza dos boatos e a forma de agir, se houver coerção da força policial no dia das eleições, Bernardino foi a Codó falar com o Desembargador Deoclides Mourão, não o encontrando, pois o mesmo viajara, voltou à Matta e escreveu ao Major Euclydes Maranhão em Barra do Corda no dia 26 de julho de 1921:
Comunico-vos que tendo recebido instruções do Rio relativamente ao direito que temos de fazer a revolução contra governos ilegitimamente constituídos e vendo a aproximação da hora resolvi fazer agentes por todo este município e de Mirador [...] e como as instruções que recebi diz que nosso inimigo só ficará convencido depois do batismo de sangue, é preciso não agirmos em traição porém que devemos pregar abertamente pois o tempo chegou. [...] espero notícias do Desembargador [Mourão]. Fico aguardando suas ordens [...].

Essa carta é enviada por um boiadeiro que passava pela Matta com direção a Barra do Corda e, ao passar em Curador, é interceptado e interrogado por Sebastião Gomes e José Pedra que perguntam como está a Matta e Manoel Bernardino ao que ele responde está em paz e Bernardino trabalhando na lavoura, tudo tão normal que ele levava uma carta de Bernardino a Euclides Maranhão (essa ingenuidade foi o grande erro) assim, a carta lhe é tomada e Sebastião Gomes fica alarmado com o trecho sobre o “batismo de sangue” seguindo para falar com o juiz municipal e governista Walfredo Lira em Barra do Corda.
O juiz envia ao Governo do Estado o seguinte telegrama:
Barra do Corda, 29. Acontecimentos gravíssimos estão assumindo proporções que se impõe dever tudo esclarecer v. exc. No centro Codó lugar Matta [...] reside Manoel Bernardino de Oliveira, inteligente grande propagandista idéias socialistas [...] alicia adeptos numerosos [...] ultimamente prega derramamento de sangue dizendo que é tempo derribar governo montar outro acordo populares. [...] age de acordo com Euclydes Maranhão, Desembargador Mourão, Henrique Figueiredo com o fim depor v. exc. [...] consta ter cerca mil homens preparados para luta dia eleição. [...] peço medidas urgentíssimas [...].

No mesmo dia foram enviados mais três telegramas ao governo, um outro de Walfredo Lira transcrevendo trechos da carta de Manoel Bernardino a Euclydes Maranhão e mais dois de comerciantes ratificando as denúncias.
Sabendo das notícias, Euclydes Maranhão comunica-se, no dia seguinte, com o governo solicitando abertura de inquérito para verificar a verdade pois sua “honra de cidadão” não pode ser comprometida.
O Presidente do Estado Sr. Urbano Santos que já sentia sua força política ameaçada em uma região sob influência dos seus opositores, mobiliza tropas para sufocar a “revolução”, o que desperta a crença, na oposição, de que esta força é, apenas, para intimidar os oposicionistas.

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